Términos Inacabados – Episodio 29
O que Jerusa Meson amais poderia imaginar era que uma simples especulação dela estava calcada numa trama muito improvável, mas verdadeira.
Como escreveu Mark Twain em livre tradução: “a ficção precisa se esforçar muito para alcançar a realidade”.
Ao saber que havia um colecionador que possuía um manuscrito inédito de Machado (no início apresentado apenas como uma “carta esclarecedora”) Jerusa ficou completamente obcecada.
O leitor tem o direito se perguntar se há qualquer plausibilidade em uma história tão inusitada. Mas, em defesa deste autor, poder-se-ia testemunhar que as idiossincrasias humanas são não apenas as responsáveis pela curiosidade, mas as usinas vitais da criatividade humana.
Ao tomar conhecimento, através de Afanes, que existia de fato tal material, Jerusa, destituída do amor de Braz, amor que julgava indestrutível, perene e à toda prova, e já completamente desiludida com a raça dos homens, achou um novo e completo sentido para direcionar sua vontade de sentido.
Completamente desinteressada do marketing e da política, pouco inspirada para escrever, essa busca passou a senão seu único, seu principal leitmotiv. Sua atitude vital destinava-se, a partir daquele ponto, a provar, vale dizer comprovar se a tese de Machado poderia ser acatada ou rechaçada. Na verdade, uma tese que pertencia a um outro escritor. Durante quase 100 anos o texto foi atribuído ao próprio Machado apesar de ele apresentar-se como “tradutor”. Apenas nos anos XX descobriu-se que Victor Henaux era o verdadeiro autor do livreto “A queda que as mulheres têm pelos tolos”.
Por que então Assis quis apenas assumir-se como tradutor sem citar o autor?
É aqui que entra a história de Franz, bisneto de Victor. Originalmente o belga fundara uma sociedade que planejava processar ou cancelar autores. A vendeta seria contra escritores que ‘esqueceram’ de citar os nomes dos verdadeiros autores. Pseudonimos, contrafação, como se toda a história da literatura fosse um corolário de originalidades absolutas.
A empreitada era a defesa daqueles que foram plagiados, ou omitidos de suas autorias em obras alheias. Quando a fama de Machado se espalhou pela Europa e USA, Franz traçou uma estratégia e começou seus planos de ir à forra contra aquilo que chamou de “usurpadores das letras alheias”. Porém, como um bom fanático que era, Franz, ao se deparar com a exuberância dos textos de Machado, inverteu o sinal: mudou de ideia e passou a defender a ideia oposta, ele se arvoraria em ser doravante o grande defensor da honra do bruxo de Cosme Velho.
Quem o atacasse ou suspeitasse de sua idoneidade é que mereceria a punição.
O terrorismo e a violência em suas várias modalidades é um instrumento político milenar. Já o terrorismo na literatura era uma categoria menos conhecida e pouco explorada. No decorrer dos anos, primeiro na Europa e depois na América do Sul, Henaux arregimentou vários discípulos em sua cruzada contra os usurpadores infiéis, e depois não foi difícil convencê-los a formar uma egrégora, uma espécie de exército machadiano. O nome original de vindicta fidelis foi conservado. As notícias sobre as atividades da seita saiam muito ocasionalmente nos rodapés dos grandes jornais. Enquanto isso vários críticos literários de periódicos importantes haviam se acidentado em circunstâncias peculiares, outros morreram subitamente, e alguns sumiram sem que nunca mais seus paradeiros ou corpos fossem localizados.
Ele já vigiava Ernesto Ficci e sua fortaleza no Cosme Velho há algum tempo, mas nunca o considerou de fato uma ameaça. Por outro lado, Jerusa foi eleita como alvo quando Franz soube pelo garçom da história que Afanes lhe transmitiu.
Um diário ou carta de Machado poderia ser uma ameaça direta ao seu desiderato. Diferentemente de Jerusa Meson, Franz não tinha interesse específico no texto “A queda que as mulheres”, mas apenas no conjunto da obra do mestre. Se houvesse uma carta ou texto que, de algum modo, colocasse em risco a honra do escritor, ele precisaria agir.
Continua