Na paisagem áspera da cidade, onde solidão e resistência se cruzam todos os dias, nasce uma voz que carrega tanto o peso da memória quanto a urgência do presente.
É desse território de afetos e ruínas que emerge o Setor Norte, duo formado por Pedro Yuka e Rômulo Catharino, cuja estreia se revela mais como um gesto de escuta do que uma simples apresentação ao público.
Em Até o Fim , faixa que inaugura essa trajetória, há algo que pulsa entre os escombros — um som que busca não só traduzir, mas também transformar o que nos atravessa.
Fruto de um reencontro com as próprias histórias, Até o Fim nasceu de um processo íntimo de cura. Após a morte de seu irmão Marcelo Yuka em 2019, Pedro encontrou na música uma nova forma de existir: “Assumir o estúdio que foi dele foi uma tentativa de manter algo vivo, mesmo em meio ao luto. A música surgiu como saída de vida” , diz o irmão caçula do famoso compositor e fundador do O Rappa.
O projeto, que começou como um esforço para manter o espaço funcionando, aos poucos se transformou em um ato de resistência criativa — e em uma nova forma de expressão artística.
Até o Fim também traz a assinatura sonora de Marco Lobato, músico que integrou o O Rappa e contribuiu com arranjos e sintetizadores que dialogam com o universo do trip hop e do trap. A canção ainda conta com a participação especial da cantora Analu Costa nos vocais de apoio, que somam delicadeza à densidade do tema abordado na letra — cenas do cotidiano urbano, solidão e resiliência, costuradas por imagens potentes.
Com produção musical do próprio duo e apoio de um time experiente do mercado, o Setor Norte tem o desenvolvimento artístico encabeçado por Alexandre Santos(ex-empresário do O Rappa por mais de uma década) e Sergio Affonso(ex-presidente da Warner Music Brasil). Sócios no projeto e figuras respeitadas na indústria musical, os dois enxergam no duo um dos lançamentos mais relevantes da nova cena alternativa brasileira — tanto pelo conteúdo artístico quanto pela verdade que carregam.
O som do Setor Norte é marcado por camadas de graves densos, vocais confessionais e letras que narram com sensibilidade as dores e belezas do cotidiano. “A gente quer conversar com o Brasil real, com quem acorda cedo, pega metrô lotado, carrega o país nas costas”, define Rômulo. “O disco que a gente vem construindo é para essa base — para quem ainda encontra espaço para sonhar mesmo sob pressão.”
O legado de Marcelo Yuka como ponto de partida e força motriz
O nome Marcelo Yuka está inscrito na gênese do Setor Norte — não como um símbolo de repetição, mas como um elo inevitável de afeto, história e formação. Irmão de Pedro, Yuka foi também mentor, referência e catalisador de caminhos. Foi no estúdio que pertenceu ao artista que o duo nasceu, tanto em estrutura quanto em espírito . “É impossível desconectar. Muito do que somos veio desse convívio, desse universo. Mas nunca usamos isso como muleta. O Setor Norte tem vida própria” , reflete Pedro.
Rômulo, que trabalhou ao lado de Marcelo em seu último disco e em apresentações ao vivo, reforça essa visão: “O Pedro tem a mesma sensibilidade com as pessoas que o Marcelo tinha. É uma característica que não se aprende — vem do coração. É daí que nascem as letras, os temas, a maneira como nos conectamos com o outro”. Para ele, a similaridade entre os irmãos se dá mais na ética e na escuta do que na estética.
A herança simbólica e afetiva é inegável. Do estúdio herdado aos equipamentos usados nas gravações, da convivência à memória, o espírito de Marcelo Yuka paira como guia silencioso. “Acho que ele ficaria orgulhoso do que a gente está fazendo aqui”, conclui Rômulo.
Música como ferramenta de comunicação e transformação
A sonoridade do Setor Norte foge de rótulos fáceis. Entre batidas eletrônicas, paisagens urbanas sonoras e letras cruas, o grupo encontrou no trip hop e na cultura do grave a espinha dorsal de sua linguagem musical . “Não é rap, não é rock, não é pop. É tudo isso junto e mais o que a gente vive. A gente faz música como quem pinta um quadro — com imagens, textura, camadas”, define Rômulo.
Até o Fim é um exemplo claro dessa abordagem. Com letra que nasceu a partir de um desabafo enviado por mensagem na madrugada, Pedro transforma relatos cotidianos em poesia urbana . “É uma música que fala sobre esgotamento, mas também sobre continuar — seguir até o fim. Mesmo cansado, mesmo no limite”, conta o letrista.
A canção, embora carregue sentimentos do luto de Pedro, busca extrapolar o pessoal e se comunicar com qualquer pessoa que viva a dureza da rotina. “É sobre aquele momento que você está no meio da multidão e sente que está sozinho. A música tenta acolher esse sentimento e lembrar que você não está”, reflete. A construção da faixa também teve como objetivo central uma linguagem simples, mas potente, acessível sem abrir mão da profundidade.
Em tempos de excesso de informação e individualismo crescente, o grupo propõe conexão e escuta ativa. O discurso é direto, mas nunca raso. A melodia é densa, mas sempre guiada pela emoção. “A gente acredita que a arte pode ser uma ponte. E se nossa música conseguir fazer alguém se sentir menos sozinho, a gente já cumpriu nossa missão” , diz Rômulo.
Esse cuidado estético e emocional percorre todo o repertório do disco, que está sendo finalizado com previsão de lançamento ainda este ano. “A gente quis se despir da vaidade. Não estamos tentando impressionar com técnica — estamos tentando tocar as pessoas” , completou.
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