Capítulo 46 –
“Alguns emitiram como axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, não era, nem a razão, nem o amor, nem mes- mo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por se ter apresentado pri- meiro que os outros, e que sendo este substituído por outro, não tinha esse ou- tro senão o mérito de ter chegado antes do terceiro. Permaneceu por muito tempo este sys- tema irreverente.”“A queda que as mulheres têm pelos tolos”
Machado de Assis
Ernesto Ficci, perdeu alguns dedos do pé depois do acidente, e resolveu mudar para a Itália, para onde transferiu boa parte de seus livros e incunábulos, incluindo os textos proibidos. Foi residir em algum lugar misterioso da costa Amalfitana.
Dizem que ele ficou com o diário e um manuscrito inédito de Assis, e alguns anos depois, quando faleceu, descobriu-se um testamento deixando sua coleção para Penelope, e no documento fazia menção às obras, as quais, todavia, nunca foram encontradas.
Afanes continuou por muito tempo se dedicando a sua banca, entre a psicanálise selvagem e a prescrição de livros para os passantes.
Seu livro “Ficção Desolada” virou um best seller mundial, vendendo quase 72 milhões de cópias. Foi traduzido para mais de 23 línguas, e ele, como um dos patrocinadores da ideia, foi finalmente convidado a integrar a ABLA.
Trata-se da novíssima entidade acadêmica, fundada por escritores brasileiros não alinhados, a qual, a despeito de não pretender substituir a organização anterior, queria encontrar espaços de discussão mais arejados, e, sobretudo, outras percepções para a atividade literária tão contaminada pela ideologia, pelas relações políticas patrimonialistas e viciadas. Afinal, tratava-se de uma ressignificação de tudo que foi deixado pela obra de Machado de Assis.
Em seu discurso de posse, lembrou-se dos momentos mais marcantes de sua trajetória na casa do Cosme Velho, trouxe à memória como conheceu Jerusa e de suas contribuições para a novíssima literatura que emergiu. A movimento de literatura “Outras Linhas”. Não era necessáriamente uma manifestação contra as pautas hegemônicas, nem a favor de um engajamento que reduz a vida a uma incessante busca pela prevalência ideológica. Era sobretudo uma exortação pela responsabilidade de preservar a liberdade da linguagem:
‘Jerusa foi além, além, muito além de todas as expectativas, a força de uma verdade contrasta com o universo de artificialidades com os quais temos nos acostumado a chamar de arte. Eu reconheço nos textos dela o vigor espiritual de uma época, e a luta dela a favor de uma cultura, do espírito de uma época compreendido do ponto de vista das histórias individuais.
Como Hermann Broch considerou: “o espírito de uma época repousa no concreto, ela é construída sobre milhões e zilhões de existências individuais anônimas…e neste cotidiano mundial da época, incompreensivelmente infinito, infinitamente facetado, está contido o espírito da época, seu semblante quase ininteligível”.
Só muito tempo depois compreendi — sinto não ter conseguido transmitir isso para minha amiga — que “Términos Inacabados” não se referia afinal aos problemas de casais que vivem através dos litigâncias crônicas, mas ao infinito em cada sujeito, a imaginação incessante que cultuamos contra o mecanicismo do mundo.
Um dos méritos imortais — as pessoas não o são, as ideias novas sim — Jerusa percebeu isso nas duas cartas inéditas do Machado de Assis, que, arriscando a própria vida, conseguiu preservar de memória e com o coração.’
Continua – Dois manuscritos inéditos de Machado de Assis