Episódio 41
E você, faz alguma ideia do que separa?
Jerusa precisava reencontrar Braz
Saiu do quarto de hotel na Barra onde estava com Ficci, e correu até o hospital que ficava no Leme. Ao chegar ficou não apenas decepcionada, mas surpresa. Braz recebera alta naquela tarde.
‘Alta?’ Quem daria alta para alguém que caiu da janela?
Tentou falar com o médico responsável, mas não encontrou um discipulo de Esculápio disponível para perguntar.
Depois de protocolar um pedido formal e esperar por horas dirigiu-se à enfermeira-chefe da UTI designada para atende-la.
‘Sou a enfermeira padrão Irma. A Sra é o que mesmo do Sr. Meson?
‘Ex’
O som assim pronunciado pareceu estranho para Jerusa, mas ela gostou de falar e repetiu:
‘Ex!!’
‘Ex? A Sra me desculpa, mas não costumamos dar informação para uma ex esposa’
‘Seu nome é Irma, certo? Irma, não sou exatamente ex oficialmente’
‘Ah, não houve separação?’
‘Separação?’
‘Divórcio, litigio, corpos em casas diferentes…sabe?’
A atitude fria, depreciativa, e o tom de voz sob um sorriso instrumental e uma ironia irrascível deixou Jerusa surtada. O surto era o que ela costumava nomear como “irritou meu foco”. E ela já sabia, não se controlaria.
‘E você faz ideia do que separa?, atalhou Jerusa
E sem esperar por qualquer resposta disparou num tom de voz decisivo, linear, forte e ininterrupto”
‘Sim, houve separação, reunião, briga, copos voando, gritos histéricos, relações de todo tipo, reaproximação, amor transgressor, almas aflitas, rejeição determinada, promessas de para sempre, juras de jamais de novo, desejo de mudar de planeta, riscos no passaporte, retirar reservas bancárias, baixarias na frente dos advogados, reatamento, beijos do avesso, divisão de livros, estantes derrubadas, relações cortadas, telefones destruídos, roubo de diário, ameaças veladas, alfinetadas ridiculas, comportamento regressivo reaproximação sexual, frieza absoluta, hipertermia, afastamento definitivo, reencontros com promessas de nunca mais brigar, agressão na portaria, abraços de 27 minutos, admiração infinita, repulsa idem, mudanças de domilicio, acusações de invasão, um café da manhã extraordinário, alcoolizações vexatórias, estados alterados de consciência, quartos de hotel por 72 horas ininterruptas, rezar com convicção, ceticismo radical, confissões sem censura, embriagues por gin, ressacas daquelas que ninguém reconhece ninguém, mortificações na pia, sonhos de volta, sonhos de nunca mais, sonhos de que nada importaria mais, cremes na cara, sorvetes compartilhados, sangue depois de mordidas na lábio, arremesso de toalhas.’
Jerusa esperou alguns minutos para estudar o rosto da até então incólume Sra. Padrão hospitalar.
Ela parecia ter o labio inferior um pouco trêmulo. Jerusa prosseguiu:
‘Não sei, me diga Irma, isso que te contei é uma separação?’
Irma, ficou em estado de animação suspensa com a loquacidade metralhante de Jerusa.
A enfermeira padrão com seu chapeuzinho de aba, e com a roupa que irradiava um branco ofuscante, impoluta, asseptica como um lisoforme raiz estava com a palidez cerosa dos que foram desconcertados por nocaute técnico, dos humilhados pela luta contra as palavras reducionistas.
Ela, que lembrava muito a enfermeira que cuidara zelosamente da ala do hospital psiquiatrico de “Um estranho no ninho”, a chefe que policiava Jack Nicholsohn com o maxilar travado, isso antes dele tentar enforca-la por ter tiranizado seus amigos , e, no dia seguinte ser lobotomizado através da técnica inventada pelo cirurgião português, o prêmio nobel, Egas Moniz.
“Quase uma sósia” pensou Jerusa.
Irma abriu a ficha entregou a prancheta com papel de alta para ela:
“Alta a pedido”
E seguia-se uma assinatura monogramatica
“F. H”
“Céus” e Jerusa saiu correndo arremessando a prancheta por cima do balcão de atendimento.
Continua