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Paulo Rosenbaum-Episódio Final 47     Crítica da Novela em Breve.

Términos Inacabados

Episódio Final 47 – Transcrição da Carta Inédita de Machado de Assis 2

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Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1907

Querida C.

Recebi tua resposta. Quão forte foi o impacto, meu peito tremeu, nenhum abalo nos arredores importava mais. O mundo acabava enquanto eu balançava tua carta para ver se conseguia algum rearranjo de sentido. Não conseguia crer, mas não por mim. Não.

Era por ti. 

Não pude esconder-me de uma única gota da lágrima, singular mesmo, que me acometeu, sei apenas que ela fixou morada intrusa nos olhos, sem que pudesse escapar de mim mesmo.

O que posso ainda dizer? Ainda deve me restar quanto de vida. Um ano?* O que ainda preciso escrever? Quando gastei meu último frasco de nanquim negro sob a pena não foi para me desculpar — e aqui rogo — que este não seja nosso último encontro. Não, pelos Céus. Não pode ser. Durante o nosso penúltimo encontro na minha sala de livros, que você, gentil e genialmente chamou de fileira interminável de coleção de palavras, foi a própria perplexidade que me visitou.

Nunca poderia imaginar a intensidade com que nos completávamos com nossas assimetrias, nem como nossos pontos de vista sobre as idiossincrasias tivessem tal encaixe. E você sabia, agora finalmente percebo, que a tal oposição entre o tolo e o homem de espírito não fazia mesmo sentido.

O amor, como nosso Criador, não só não pode ser compreendido, como não deve sofrer das especulações daqueles que nunca o experimentaram. Porque se trata disso: sem prová-lo, melhor reduzir-se à austeridade do silêncio. Sequer as especulações devem ser legitimadas pelo excesso de explicações. O amor é sobretudo, e, reconheço, isso é ousado, uma anticiência por excelência.

A prova é que posso amar, tú bens sabe, um defeito desde que seja o teu. E, em contrapartida, você pode, e sabemos que isso aconteceu entre nós, aturar e adorar, ao mesmo tempo, várias, várias não, inúmeras das minhas viscissitudes.

Escapa de fato de todo aprisionamento com o qual a razão tenta dar direção ao inexplicável. É como D-us. (não, agora não é erro tipográfico, coro só de lembrar do problema nas “Poesias Completas”, destarte grafo assim mesmo)  

O sentido, se é que ele ainda subsiste um átimo dele vendo o que se passa em nossos arredores, incluindo País e Instituições, é o mesmo de sempre, como Sócrates muito bem prenunciou meio milênio antes da era civil.  

Não mudamos nada, somos os mesmos, e algum filósofo do futuro há de enunciar isso. 

Nunca esquecerei da nossa penúltima conversa naquela que era a Jerusalém do Rio de Janeiro, já adianto — a última nunca acontecerá — jamais teremos nada que seja último, e sei, que com esta máxima você concordará.

‘Você nunca vai parar de acumular tantos livros? Nunca vai parar de escrever?’  Tu me perguntaste. 

‘Este poder eu não tenho.’ Eu me resignei a contestar. 

‘E por que querido Assis?’ 

‘Por um único motivo, oh amada! Um único. Quando se trata das outras linhas, quando se trata de literatura, assim como ocorre com a esperança, os términos são sempre inacabados.’  

Seu,

M.A.

*Premonição ou não, Machado de Assis morreria exatamente um ano depois desta carta. 

                                                                    FIM

Fonte: gente.ig.com.br

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