Sério, dramático, abordando questões éticas com relação à criação da bomba atômica, o espetáculo “O Legítimo Pai da Bomba Atômica” foi encenado na UEMS dentro do Circuito Universidades durante o Campão Cultural. O Grupo Oriente-se, formado exclusivamente por descendentes de orientais, trouxe esse texto do premiado autor Murilo César Dias e direção de Gabriela Rabelo, abordando questões políticas, históricas e técnicas que envolvem a criação da bomba atômica e o que significaria para a humanidade o uso dessa arma na atualidade.
Gabriela Rabelo, diretora do espetáculo, conta um pouco do enredo: “Teve um filme com esse nome há pouco tempo em que o Oppenheimer era considerado o legítimo pai da bomba atômica. A nossa peça é bem anterior ao filme, e o físico húngaro e judeu Leo Szilard foi quem descobriu a reação em cadeia dos átomos. Ele foi para a Alemanha quando o governo da Hungria caiu, na Alemanha ele trabalha com grandes físicos como Einstein, e na época do nazismo ele tem que sair, ele vai para a Inglaterra, quando este país começa a se envolver na guerra ele vai para os Estados Unidos trabalhar como professor de física na Universidade de Colúmbia”.
Rogério Nagai, um dos atores do Coletivo Oriente-se e produtor e idealizador do projeto que leva ao palco quatro peças teatrais do grupo, conta que o grupo surgiu em 2016 através de uma grande emissora de TV do Brasil que fez uma novela onde colocaram o papel de um japonês sendo feito por um ator brasileiro que não tem nenhuma ascendência. “Isso trata-se de uma prática estereotipada e racista chamada yelowface e nós tínhamos diversos atores e atrizes que se conheciam de outros trabalhos e nos juntamos, fundamos um coletivo, para nos posicionar para falar que existem atores amarelos fazendo bons trabalhos. Nós temos hoje um grupo com descendentes de japoneses, chineses, coreanos, taiwaneses”.
Rogério conta que a princípio o autor o texto, o Murilo César Dias, disse que não tinha como colocar um Einstein, um Truman, que são personagens reais, que existiram, sendo feitos por descendentes de amarelos. “Eu disse para ele que você vê em filmes, espetáculos de teatro, brancos fazendo papéis que muitas vezes não têm ascendência correspondente. Hollywood faz isso, você tem lá filmes de romanos sendo feitos por atores americanos, nem com sotaque de italianos, falando inclusive inglês. Eu falei que não via problema nisso, é uma provocação que nós vamos fazer como seria essa história contada pelos próprios descendentes de japoneses, uma visão representando as vítimas, a gente dando voz às vítimas. Esse projeto acabou sendo aprovado num edital da Secretaria de Cultura de São Paulo com nota máxima e montamos o espetáculo”.
O diretor do coletivo Oriente-se acha fundamental essa iniciativa do estado de MS de fazer este grande evento chamado Campão Cultural. “A arte é transformadora, a arte possibilita não apenas às pessoas sonharem, mas em tornar a nossa sociedade mais justa, mais igualitária, e uma transformação não só social mas humana, a gente acredita muito nesse poder transformador da arte. Nós queremos agradecer muito à Secretaria de Cultura do estado e dizer que estão no caminho certo, de investir mais em cultura, para nós é um prazer imenso de estar em Campo Grande, é a primeira vez que a gente sai do estado de São Paulo para se apresentar em Campo Grande. A gente tem muita convicção e certeza da importância desse projeto, principalmente agora que acontecem vários tipos de guerra com uma ameaça nuclear inclusive, onde você vê Estados Unidos e Rússia rompendo acordos de não proliferação nuclear, então a gente vê que a guerra na verdade não acabou, ela continua mais perigosa, com mais países pesquisando armas nucleares como Irã, Coreia do Norte, India, então nosso projeto infelizmente é atual e necessário e a gente pretende levar para mais lugares”.
A atriz e professora de teatro Heidy Mayumi Rafael Kanaciro disse que quando viu que o coletivo Oriente-se se apresentaria no Campão Cultural já marcou como prioridade para assistir. “Estou profundamente impactada pelo espetáculo, pela temática, pelo fato de estarem atores amarelos em cena, o texto de uma pesquisa muito profunda, um trabalho impecável dos atores e atrizes, trazendo a nossa história, trazendo uma reflexão muito importante sobre um perigo que permanece até hoje. Estou muito grata por ter tido a oportunidade de assistir a este espetáculo”.
Renata Naomi Otto Kawano acabou de voltar de um intercâmbio em Okinawa com uma bolsa pela universidade de Ryukyu. Ela conta que tem uma conexão muito interessante com Hiroshima e Nagasaki. “No ensino fundamental eu estudei na Escola Estadual Joaquim Murtinho e eu tive a oportunidade de fazer uma apresentação sobre Hiroshima e Nagasaki. Poder assistir a este espetáculo foi uma sensação de relembrar aquela época porque eu tenho uma parte da minha descendência de Hiroshima também e ver essa encenação em teatro, eu não sei dizer, estou sem palavras… Eu até acabei chorando um pouquinho no meio do espetáculo porque é muito isso mesmo que foi representado”.
Texto: Karina Lima
Fotos: Maurício Costa Jr.