Neste 8 de dezembro de 2024, celebram-se 110 anos do nascimento de Conceição dos Bugres, uma das figuras mais emblemáticas da arte sul-mato-grossense e brasileira. Conceição Freitas da Silva, nascida em Santiago, Rio Grande do Sul, em 1914, e falecida em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 1984, deixou um legado cultural que transcende gerações, consolidando os icônicos bugres como símbolos de identidade e resistência cultural.
Conceição chegou ao então Mato Grosso uno aos seis anos, em uma carroça conduzida por sua família. A longa viagem começou no Rio Grande do Sul, atravessou Argentina e Paraguai, até Ponta Porã, onde a jovem Conceição cresceu. Filha de roceiros, sua infância foi marcada pela espiritualidade e pela forte ligação com a natureza, aprendendo com o pai o uso de ervas medicinais e desenvolvendo suas habilidades como benzedeira.
Em 1957, Conceição mudou-se para Campo Grande, onde, sob a influência de seu filho, o artista plástico Ilton Silva, e de nomes como Humberto Espíndola e Aline Figueiredo, começou a esculpir os famosos bugres. Inspirados em uma cepa de mandioca que “tinha cara de gente”, os bugrinhos ganharam forma e vida, com traços simples, mas carregados de simbolismo. A cera de mel de abelha, introduzida após um sonho, tornou-se uma assinatura estética e funcional de suas peças, protegendo a madeira e conferindo aos bugres uma “roupa”, como descrevia a própria escultora.
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, os bugres de Conceição ganharam destaque em exposições nacionais e internacionais, sendo reverenciados por críticos de arte e conquistando medalhas de ouro, como na Mostra de Artes das Olimpíadas do Exército, em Brasília. Humberto Espíndola destacou a conexão histórica dos bugres com a tradição artesanal indígena da região, apontando Conceição como uma figura central na retomada desse patrimônio cultural.
Apesar do reconhecimento artístico, a escultora manteve uma vida modesta, concentrando seus esforços na família e na produção artesanal. Após sua morte, o legado dos bugres seguiu vivo, passando para as mãos de seu neto Mariano, que preserva a tradição familiar com peças mais estilizadas. Os bugres originais, no entanto, tornaram-se raridades disputadas por colecionadores e instituições.
Conceição dos Bugres permanece uma referência cultural em Mato Grosso do Sul. Suas obras foram destaque em importantes exposições, como a mostra “Conceição e Sua Gente”, no Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul, em 2004. Seus bugres, muitas vezes reproduzidos e adaptados, perpetuam a memória de uma mulher que, com ferramentas simples e uma imaginação poderosa, esculpiu sua história na madeira e no coração do povo sul-mato-grossense.
A grande escultora também teve suas peças expostas no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP. “Conceição dos Bugres: tudo é da natureza do mundo” é o título da exposição individual da obra da Conceição que o Masp começou a oferecer ao público este mês. Foi a primeira exposição monográfica num museu dedicada à obra de Conceição Freitas da Silva, a nossa Conceição dos Bugres, falecida em 1984.
A curadoria foi de Fernando Oliva, com curadoria assistente de Amanda Carneiro.
A trajetória de Conceição é uma celebração de resistência, criatividade e identidade. Ao completarmos 110 anos de seu nascimento, honramos não apenas a mulher, mas também a artista visionária que transformou o cotidiano em arte e a madeira em memória viva. Que os bugres continuem contando sua história para as próximas gerações.
Ana Ostapenko, Setesc
Foto: Rodrigo Teixeira